Consulte o alinhamento dos três painéis: Painel #1: Pensar as ficções do real; Painel #2: Realizar imagens, produzir cinema; Painel #3: Rever António Reis e Margarida Cordeiro.
Ao longo da sua história, o cinema sempre dialogou com o real. Aliás, o dispositivo técnico assim o exigiu, razão pela qual a teoria do cinema cedo se devotou a essa questão, nomeadamente através de Walter Benjamin, Siegfried Kracauer ou ainda André Bazin. Por um lado, a captura do real, sem mediação; por outro, a re- significação do mundo a partir da reconfiguração pelas imagens em movimento. Mais tarde, na senda de Gilles Deleuze, com a sua imagem-tempo e a potência do falso no cinema moderno, Jacques Rancière repensou questão da ficção e do real no cinema recuperando a Poética de Aristóteles para sugerir que «o que distingue a ficção da experiência comum não é a privação de realidade, mas um suplemento de racionalidade».
Ora, se em 2018 a discussão faz sentido é porque as imagens em movimento têm ocupado um espaço cada vez mais híbrido, concorrendo para o surgimento de noções como pós-verdade ou reality hunger, que têm assumido um lugar preponderante no discurso mediático generalista numa aparente depreciação do artifício, do falso, da construção, no seu sentido mais lato e, portanto, das ficções – inferindo-se que quanto mais falso, menos real, sendo que, de facto, quanto mais real (no sentido mimético), menos autêntico. Deste jogo cinemático e especular de aparências, verdade, autenticidade, realidade e ficção nascerá o debate entre os vários painéis do Fórum do Real.
Assim, a aproximação ao real pode ser feita a partir de uma hibridez entre os registos da ficção e do documentário, complementando-se na construção de novas realidades. O cinema português, por exemplo, sempre explorou essa zona cinzenta de modo fértil. É justamente nesse interstício que podemos encontrar a dupla António Reis e Margarida Cordeiro e a sua obra maior: Trás-os-Montes. Nesse filme, os re- enactments procuravam perscrutar a ancestralidade de um local remoto no interior do norte de Portugal. Na narrativa construída pela obra, Reis e Cordeiro minam qualquer hipótese de resolver o puzzle – documentário e ficção são uma e a mesma coisa, porque o essencial é capturar as formas de vida de uma comunidade. Seria, aliás, essa ideia de comunidade – mais do que o real ou a verdade – que Pedro Costa viria a explorar anos mais tarde nos seus filmes, na senda de Reis, o seu mestre.
Nas anteriores edições do Fórum do Real, o Porto/Post/Doc tem procurado olhar esse real através de diferentes prismas – pelas dimensões do imaginário, do arquivo ou do sensorial. Em 2018, procuramos contrastar esse real a partir das ferramentas e das margens da ficção. O que sobra, assim, de verdade ou realidade, depois do real invadir a cultura dominante? Poderá o cinema passar incólume? A resposta parece óbvia: o cinema não pode continuar a simular uma suspensão da descrença, essa noção que, pela negativa, sutura o espectador ao filme, na imersão da sala escura.