Folha de Sala #20
Os Ausentes
Nicolás Pereda
2014, MEX, FRA, ESP, 80’, M12
O tempo que se esvazia
Começa com a imagem de uma vaca a mastigar, vista do que parece ser o interior de uma casa. A câmara afasta-se lentamente, ao início quase não nos apercebemos do movimento, e vai recuando até enquadrar uma mesa e um velho sentado, de costas. Os pretos e os verdes mantêm-se no plano seguinte, mais uma vez o velho de costas, desta vez a lavar a loiça. São os minutos iniciais de um filme em que o tempo e o velho dividem o papel de protagonista, um tempo que nunca está parado mas que se move lentamente no calor, através dos travellings que Pereda utiliza até ao fim.
A premissa de Los Ausentes é simples: de forma a percebermos o setup do filme, Pereda apresenta-nos uma cena no interior de um edifício no centro da povoação, em que um oficial da justiça explica legalmente que a modesta casa onde vive o velho está construída num terreno municipal; assim sendo, o velho terá agora de sair do sítio onde vive há muitos anos. É aliás a única cena filmada na cidade e onde se utiliza muito diálogo; agora que já sabemos o que se passa, Pereda pode voltar à casa do velho e aos longos planos em silêncio.
Focamo-nos agora no velho, que começa a preparar-se para partir. Tudo se passa num tempo estendido, num tempo mundano que se esvazia, em que se arrasta um frigorífico ou se remonta um revólver. No corpo enrugado e curvado do velho está contido todo o tempo e todo o espaço. Começamos aqui a perceber que Pereda não nos mostra tudo, e que os longos planos, filmados de forma primorosa, escondem histórias do passado. O tempo dilui-se nas paredes, na casa, em tudo o que o rodeia. Sobre isto, o realizador assume: “Tentei fazer um filme hipnótico em que o público tivesse tempo para se distanciar do enredo e meditar apenas nas imagens”.
O aparecimento da segunda personagem dá-nos a certeza de que a narrativa de Los Ausentes não é linear, mas antes poética. Pereda fornece algumas pistas sobre o que nos é apresentado: uma orelha ferida, de novo o mecânico remontar do revólver. Os dois homens habitam num mesmo espaço, numa mesma época(?), mas não se cruzam. É uma realidade de ausências: um dança e não ouvimos a música; o outro cozinha enquanto ouvimos a música aberrante. O velho parte numa última viagem, o simbolismo de um último banho na praia e da subida da montanha, os travellings acompanham-no. Encontra por fim o outro, no interior de uma cabana. Os tons verdes dão agora espaço aos negros, e os dois homens embebedam-se com mescal num plano que parece sair de uma pintura de Caravaggio. Uma conversa animada, cantam-se velhas músicas, memórias antigas. Ouve-se uma pergunta, ficamos sem resposta, o filme acaba.
Lídia Queirós
Porto/Post/Doc