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As Troianas

por Tiago Dias dos Santos / 03 06 2015


Folha de Sala #19
Ruído (As Troianas)
Tiago Afonso
2013, PRT, 71', M12

 

As Troianas


A fórmula utilizada por Tiago Afonso foi simples e bastante direta: uma situação de franca instabilidade e injustiça social conjugada com um episódio passado no final da guerra de Tróia, e o destino reservado às mulheres troianas. Ao acompanhar o processo de demolição, episódio bastante presente na memória coletiva portuense, das famigeradas torres do Bairro do Aleixo, colossos com 13 andares, o filme descobre uma conjunto de indivíduos reféns de uma série de medidas implementadas pelo antigo executivo da Câmara Municipal do Porto. A adaptação da tragédia grega por Jean Paul Sartre, As Troianas de Eurípides, com a captura da Ilha de Melos e consequente chacina e conquista da sua população pelos invasores como fundo, serve como ponto de partida em Ruído ou as Troianas na criação de uma analogia direta com estes habitantes, conquistados por um processo ainda sem conclusão à vista.

Este segmento da paisagem portuense, considerado atualmente como o bairro mais perigoso e estigmatizado da cidade do Porto, sofreu mudanças drásticas nos últimos anos. O motivo impulsionador destas alterações terá sido a preocupação com as condições miseráveis, o combate ao tráfico de droga e a necessidade de realojamento dos moradores, dispersos pela cidade. A polémica surge quando os moradores denunciam essa falácia, apontando diferentes  interesses económicos e imobiliários como a verdadeira razão e a forma como se sentem acossados. É neste confronto dos diferentes pontos de vista, e da descoberta da verdadeira realidade do bairro do Aleixo, que descobrimos um conjunto de cidadãos muito diferentes da forma como habitualmente são identificados. Nem só de “ervas daninhas” é caracterizado o Aleixo, e este documentário possibilita-nos também essa nova leitura.

O filme utiliza um conjunto de normas do cinema direto, seguindo essa linguagem cinematográfica principalmente observacional, onde a narrativa é conduzida em várias instâncias. Os testemunhos e contacto com vários moradores, que partilham os seus medos, angústias e sentimento de injustiça; um exercício cinematográfico com crianças do Aleixo, representantes da geração que irá um dia herdar o bairro; retratos de rotina quotidiana e imagens da cidade, cada vez mais gentrificada. Todos se juntam e fundem para simultaneamente ilustrar uma situação instável, incerta e indicativa de um mal maior que lentamente se vai instalando, mas que evidencia ainda assim um espírito de persistência e resistência face à adversidade.

 

Tiago Dias dos Santos

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