Como me apaixonei por Eva Ras é o quarto filme e segunda longa-metragem de André Gil Mata (1978). Inteiramente rodado no interior de um cinema de Sarajevo centra-se no quotidiano de uma mulher que habita esse lugar e se ocupa de manter o cinema ativo com as poucas cópias de velhos filmes que lhe restam. O autor retoma assim um domínio já presente em Cativeiro (2012), onde também filma o confinamento de uma mulher a uma casa e os processos de interdependência que se operam entre os espaços habitados e as pessoas. No presente filme, a protagonista é a projecionista Sena Mujanovic, uma mulher silenciosa de 70 anos que executa ações de rotina diária de que fazem parte a projeção e manutenção de um velho cinema, sendo estas ações solitárias intervaladas com as conversas das pessoas que a visitam e a procuram pelo acolhimento que lhes dá. Atenta e livre de juízos, escuta os seus visitantes, homens mais jovens, que lhes contam as suas desventuras amorosas e profissionais. Sena não se alarma com a falta de recursos que os rodeiam, nem mesmo com o facto de apresentar sempre os mesmos filmes.
Numa destas conversas, diz que, se tudo está na mesma, porque não hão-de os filmes de ser os mesmos? Mas a distância cronológica, política e social entre o interior do cinema e os filmes projectados é grande. Estes filmes com que coabita, e de que vemos vários excertos e ouvimos sempre em som de fundo, são muito diferentes do presente contexto – são vislumbres de um passado onde os protagonistas são bastante jovens e mais inquietos, e onde os temas dominantes são os da libertação e da quebra de normas rígidas instituídas. Em muitos dos planos, aparece a atriz sérvia Eva Ras que dá nome ao título do filme, sendo também esta uma forma de homenagem ao cinema de Dušan Makavejev. O filme de Gil Mata é, na verdade, formado por camadas de citações ao legado do cinema da Europa de leste entre os registos que filma do quotidiano presente de Sena e os registos dos velhos filmes que são projetados no cinema.
Como me apaixonei por Eva Ras teve estreia mundial no FIDMarseille um dos mais importantes festivais de cinema dedicados ao documentário, tendo integrado a seleção da competição internacional de 2016. Este ano, o filme fez parte da secção Deep Focus do Festival de Cinema de Roterdão. André Gil Mata tinha já sido premiado com o seu filme Cativeiro (2012) no Doclisboa desse ano, onde recebeu o prémio da DocAlliance, um galardão criado por sete festivais europeus dedicados ao documentário.