Sobre "Why It's Difficult to Make Films in Kurdistan", de Ebrû Avci
No seu primeiro plano a realizadora pede a outra rapariga para em dado momento focar a imagem. Essa passagem do desfocado à nitidez é o gesto inaugural deste breve filme que se propõe precisamente clarificar, tornar nítido, o dilema que apresenta no título. E em pouco mais de 20 minutos fá-lo de maneira admirável. A avó ri-se muito e ajeita o lenço enquanto vai tentando perceber o que é isso de uma máquina pôr parte dela (a sua imagem) dentro de si. A mãe quer dissuadir a filha de aprender o cinema, pois que além de ser um pecado (as pessoas fingem ante a câmara), ninguém o faz na sua comunidade. O irmão mais velho goza com ela e pede-lhe para largar a câmara e vir cozinhar. A amiga, de idade semelhante, tem medo de ter de ser filmada e de por isso lhe pedirem o divórcio. Mas Ebrû Avci quer filmar. E fá-lo. Ela mostra clandestinamente do alto do monte um casamento (e a projecção futura do que espera às jovens naquele aldeia); ela espia os homens a dançar (eles sim podem filmar, sem problema) e as mulheres a trabalhar; ela capta a mãe que lhe pergunta se sabe cozinhar e que, em frente à televisão, diz que nunca a vê; ela testemunha a tristeza e revolta de um jovem a quem o irmão mais velho bateu (sempre ele, a desempenhar o papel do pequeno e inocente tirano da família). Neste pequeno filme Ebrû inquire, anda às voltas, questiona, torna a dificuldade do cinema menos difícil e consegue algo extraordinário. Torna, ainda que por momentos, o cinema como parte daquela cultura.
Carlos Natálio
À Pala de Walsh
Excerto retirado de um artigo publicado originalmente no website À Pala de Walsh