Ver Os Verdes Anos e Mudar de Vida hoje é reconfigurar o olhar para um momento fundamental da história do cinema português. No início de 1960, um conjunto de transformações culturais e cinematográficas resultou naquilo que mais tarde se denominou o “novo cinema português”. O movimento neorrealista, o advento dos cineclubes, as bolsas de formação recebidas por vários cineastas portugueses, a decadência de um “velho cinema”, entre outras razões, propiciaram o aparecimento de uma nova geração de cinéfilos. Apesar da história não ser linear, a verdade é que Os Verdes Anos, de 1963, aparece como objeto fulgurante, realizado por uma equipa muito jovem, e que se anunciava, nos seus cartazes com a frase “chegou a nova vaga”. 1963 é também o ano de Acto da Primavera, de Manoel de Oliveira, verdadeiro filme moderno, que acompanhava e dava um novo sentido à história do cinema. Os Verdes Anos ampliava esse fulgor e dava-lhe um cunho de uma nova geração.
Para perceber a novidade do filme, António da Cunha Telles, o produtor-milagroso dessa geração, justifica a frescura de Os Verdes Anos com a condição “virgem” da equipa que nele tinha trabalhado: “todos os membros da equipa, desde o eletricista ao realizador, estavam a fazer o primeiro filme... (...) Quando hoje se volta a ver Os Verdes Anos sente-se alguma fragilidade, mas, ao mesmo tempo, sente-se um sopro que vem da sinceridade e do entusiasmo com que o filme estava a ser feito”.
Os dois primeiros filmes de Rocha que veremos neste ciclo são, assim, determinantes para uma ideia de cinema português, cultivada a partir dos anos 60 e que nunca deixou de ser a imagem de marca de um cinema intransigente e total. Mas eles também marcam um tempo específico – talvez de aprendizagem – para Rocha. Em Mudar de Vida, filme duro sobre a condição dos pescadores do Furadouro, parece haver uma vontade de fugir, de ir para outro lugar, tal como já estava a ser anunciado em Os Verdes Anos.
O outro lugar da nova geração, de que Rocha fez parte, era pensar o cinema de novo, inventar um novo olhar e um novo lugar. Seria o próprio cineasta a defini-lo magistralmente: “normalmente estamos habituados a sobrevalorizar a história em relação à mise-en-scène. Em Os Verdes Anos tentou-se ir contra isso. O que mais interessava era a relação entre o décor e a personagem, o tratamento da matéria cinematográfica. Eram as linhas de força, num plano, que lhe davam o seu peso e a sua importância”. O cinema da mise-en-scène, que é também o cinema da força da música de Carlos Paredes, do olhar enigmático de Isabel Ruth ou da beleza das avenidas de Lisboa e da praia do Furadouro. O cinema de Rocha sempre esteve entre o espaço (a cidade, a praia) e o rosto das suas personagens.
É por isso que o ciclo ficará completo olhando para a sua última obra Se Eu Fosse Ladrão... Roubava, que acaba por ser um testamento vivo de todo o cinema do cineasta. Uma obra que reflete a sua própria filmografia e que sugere, de forma pouco ingénua, que Paulo Rocha esteve a fazer um mesmo filme ao longo de quase cinquenta anos...
Não podia ser mais bonito fazer este ciclo no Porto, a cidade natal do cineasta. Até porque ver Paulo Rocha, em 2015, é voltar a acreditar, numa sinceridade quase ingénua, que o cinema é capaz de mudar a nossa vida.
Daniel Ribas
Porto/Post/Doc