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Entrevista a Peter Mettler

por Daniel Ribas,Catarina Maia / 21 11 2017


Em 2017, o Porto/Post/Doc apresenta o foco Peter Mettler Expanded, dedicado ao cineasta suíço-canadiano e projetando os seus três principais documentários: Picture of LightGambling, Gods, and LSD The End of Time. Este foco será complementado com a performance Yoshtoyoshto,  uma experiência musical e visual partilhada por Mettler, mas também Franz Treichler (dos The Young Gods) e o antropólogo Jeremy Narby. Este foco tem o apoio da Swiss Films e da Pro Helvetia.

P: Ainda continuas a ser referenciado como figura central da chamada Toronto New Wave. Os rótulos não são muito importantes mas como olhas para os anos de formação e de que formas foste influenciado por essa atmosfera?

R: Essa vaga refere-se a um período nos anos 80 quando um grupo de nós, realizadores locais, nos cruzamos e trabalhamos juntos para fazer filmes da forma que pudéssemos. Não nos adaptávamos facilmente ao modelo industrial da época e simplesmente trabalhávamos nos filmes uns dos outros. Todos estes realizadores produziram diferentes tipos de filmes mas estávamos excitados pela troca de ideias uns com os outros e pela partilha de competências. Filmei trabalhos de muita gente enquanto o Bruce MacDonalds os editou ou Atom Egoyan ou Patricia Rozema ajudaram no argumento. Não assumíamos papéis. Apenas gostávamos de filmar e estávamos abertos para nos ajudarmos uns aos outros no que pudéssemos, criando, sem intenção, uma comunidade e aparentemente uma vaga. 

Isto passou-se durante anos enquanto cada um de nós lentamente traçava o seu percurso específico acabando num espetro alargado de trabalhos que incluía desde o art-house ao ensaio experimental até à Guerra dos Tronos! Hoje raramente trabalhamos juntos mas continuamos bons amigos, com esta conexão profunda que se tem com as pessoas do teu passado formativo. Ainda trocamos algumas histórias e conselhos sobre as nossas experiências bastante variadas.

Olho para esse passado como um tempo em que aprendemos a fazer filmes com qualquer meio que possas ter. Não te sentires bloqueado ou oprimido elas aparentemente impenetráveis infra-estruturas das instituições que parecem controlar a situação. Manteres-te fiel a uma visão e encontrar aliados, aprendi, é a única boa maneira para seguires em frente com um espírito intacto e normalmente resulta em trabalhos mais relevantes. 

Do grupo arriscar-me-ia a dizer que eu sou um dos últimos cineastas menos "industrializados". Trabalho numa zona entre ficção/ensaio/documentário que é muito pessoal e muitas vezes feita sozinho ou com uma equipa muito pequena. Aprendi muito sobre o que gosto e não gosto da metodologia de trabalho. Aprendi a colaborar e ouvir, tanto para melhor servir uma visão que pertence a um realizador ou ao filme em si, como para melhor apreciar em primeira mão os vários ofícios que são exigidos para fazer um filme.

P: Nas últimas décadas temos vindo a assistir ao crescimento de um diálogo entre cinema e filosofia. Filmar já não é entendido simplesmente como fonte de ilustração para a reflexão filosófica; o filme em si pode ser um meio para filosofar. Pode-se dizer que é exactamente o que faz em muitos dos seus filmes – estou a pensar em Gambling, Gods and LSD mas também em, claro, The End of Time. Concorda? Esta relação é algo que cuida no seu trabalho?

R: Suponho que a minha primeira reação a esta questão (como pode ser discutida à distância) é que as muitas variadas tecnologias dos nossos dias estão a influenciar dramaticamente a nossa percepção, os nossos hábitos, o nosso modo de vida, que seria um erro não incorporar a reflexão filosófica sobre o nosso ser no medium que está a ser usado. Desde o início da minha produção cinematográfica, nunca vi o cinema meramente como uma ferramenta ilustrativa, mas também como um medium que nos permite entrar na cabeça – diretamente num estado de percepção que pode ser absorvido ou mudado em múltiplas formas.

A principal atração para mim ao fazer cinema (e não difere na música) é criar uma experiência que leve o espectador numa viagem contemplativa que compromete a experiência e as ideias do próprio espectador. O filme é feito no momento em que o espectador partilhar imagens e palavras, estados mentais, que são apresentados à medida que o filme se revela. Não procurei fazer a maioria dos meus filmes com um argumento. Pelo contrário usei um conjunto de temas a explorar, saindo para o mundo e descobrindo as ferramentas do cinema, associações entre esses temas. Pode-se dizer que todo processo de ver (e fazer) um filme é um processo de reflexão filosófica.

 P: Há também uma procura persuasiva pela beleza, mas pareces ter mixed feelings sobre a capacidade dos filmes para capturar - ou criar - beleza. É assim? Porquê?

R: A beleza é traiçoeira. Parece ser baseada numa experiência subjetiva que varia de pessoa para pessoa e de cultura para cultura. Para mim beleza significa estar acordado e atendo, ligando-se com aquilo que ocupa o olhar. Eu acho a natureza bonita, como é claramente uma maravilha contemplar a criação em que nascemos. Olhar para uma gota de água e contemplar como vai cair nesta folha que vejo diante de mim, imaginar a sua viagem pelos tempos – comove-me – e depois penso que é bonito. Mas também as nossas criações humanas, modernas, de arte ou indústria – e também as destruições, eu vejo por vezes como parte do processo e de evolução, parte de crescer e morrer – bonito. Penso que é o modo cada um olha para qualquer coisa que torna isso bonito ou não. Tendo filmado uma feira de indústria e destruição do ambiente e da natureza (Manufactured Landscapes, Petropolis) reparei que em muitos casos as pessoas olham para paisagens pouco convidativas mais prontamente quando são apresentadas de formas esteticamente aprazíveis. A aparente beleza do horror faz olhá-las para o conteúdo. Isto é, de certa maneira, usar uma estética cultural como ferramenta para comunicar. No filme que estamos a relizar, Becoming Animal (com Emma Davie), a câmara é desajeitada, hand-held, cheia de falhas e choques. Às vezes quase se lhe poderia chamar estética telemóvel. Olhamos para animais e para o ambiente selvagem. A presença criada pela câmara torna isso interessantemente diferente e desperto, criando ainda outro tipo de beleza – ainda que talvez seja expulso da escola de cinema por todos os "erros" aqui incorporados.

P: Pensa que as performances que apresenta são a melhor forma de comunicar as suas problemáticas artísticas? O que é que a improvisação ao vivo traz ao seu trabalho, por oposição ao longo trabalho de montagem dos seus filmes?

R: Eu não sei se tenho, ou se alguma vez encontrarei, o melhor caminho para comunicar os meus interesses artísticos. Fazer arte é um comprometimento, uma troca com qualquer que seja o tema, intuição, emoção, hipótese, etc. Claro que há muitos modos de se empregar os mediums da imagem, do som e do texto. As possibilidades são muitas vezes enquadradas pelas possibilidades tecnológicas, elas próprias em combinação com as aceites formas de expressão (i.e. arranjar financiamento ou distribuição). Sempre me senti atraído pela improvisação. Desde os quatorze anos quando costumava improvisar num piano e imaginar histórias na minha cabeça. Valorizo o processo de descoberta envolvido em não se fazer filmes em função de um plano, mas, ao invés, criar uma fundação de ideias e metodologias a partir das quais se pode explorar. A interação com o inesperado, com o desconhecido, muitas vezes traz resultados maravilhosos e surpreendentes, com os quais nunca sonharias sentado em frente da tua secretária. Na produção cinematográfica, enquanto há espaço para isso no campo, torna-se mais difícil na sala de edição  –  ou pelo menos tomam-se decisões muito mais lentamente. Depois de fazer o Gambling, Gods and LSD descobri o que realmente invejava nos músicos, nomeadamente a capacidade para improvisar com outros músicos. Então, lentamente, com o passar dos anos e a subsequente evolução tecnológico, criei um sistema que me permite fazer isso com imagens em movimentos e sons.

Agora posso ter centenas de clips de uma variedade alargada, meus e de outras fontes, disponíveis para editar, misturar e processar ao vivo (parecido com uma placa de mistura de som), permitindo-me interagir com um músico ou um orador enquanto reagem de volta. É um campo maravilhoso de aventura e surpresa conseguir criar associações e justaposições, às vezes aleatórias e às vezes intencionais. Não estou em controlo total e há muitas coisas surpreendentes! Nunca posso repetir o que já fiz porque o número de parâmetros é demasiado complexo para se recriar. Isto sublinhou, para mim, a ideia de que nós artistas, somos apenas mediums. Os trabalhos que fazemos, mesmo que sejam chamados de auteur, são actualmente enformados pela nossa cultura e experiência. Estamos sempre a produzir debaixo da influência destas coisas. Juntar três indivíduos como fazemos no nosso espetáculo Yoshtoyoshto reúne as diferentes experiências de um músico (Franz Treichler, dos The Young Gods), de um antropólogo (Jeremy Narby, de The Cosmic Serpent) e de um cineasta para ver no que pode dar espontaneamente uma colisão improvisada. Este espetáculo em particular resulta de uma série de improvisações que depois deram forma à nossa apresentação. A performance é totalmente live, cada camada e mudança de imagem e som são manipuladas no momento. É uma espécie de amálgama de uma edição longa e manual e espontaneidade. Para responder à tua questão – penso que vou continuar a seguir em frente, abraçando simplesmente as possibilidades das nossas tecnologias para explorar o que é importante para mim. O que quer que isso envolva – parâmetros mais clássicos de filmagem ou outros meios – que reste para ser visto. 

Filmes a exibir:
· Picture of Light
· The End of Time
· Gambling, Gods and LSD

Performance:
· Yoshtoyoshto 


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