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As que mergulham - Sobre "Ama-San"

por Lídia Queirós / 25 01 2017


Aqui vemos mulheres que mergulham intrepidamente até ao fundo do Oceano Pacífico, num único fôlego, munidas apenas da sua determinação. São mulheres que arriscam a vida e desafiam os limites dos seus corpos há mais de 2000 anos em busca de moluscos, perpetuando uma das tradições laborais mais antigas do mundo — uma tradição que contempla apenas o género feminino.

É fácil compreender como bastou uma referência num poema de um livro emprestado para Cláudia Varejão começar a sua incessante pesquisa sobre este grupo de mulheres japonesas, conhecidas como Ama-San. Quando percebeu que não só esta tradição milenar ainda se mantinha viva como também não existia quase nenhuma documentação fílmica sobre estas mergulhadoras, as diferenças culturais e a impossibilidade de compreensão da língua não demoveram a realizadora de levar o seu projeto avante. Poucos meses depois Cláudia viajava para o outro lado do mundo em repérage, à procura das suas protagonistas nas vilas piscatórias japonesas.

Conheceu Mayumi, Masumi e Matsumi. Não havia palavras mas havia tudo o resto. Um ano depois voltou a Shima com uma equipa pequena que incluía Takashi Sugimoto e Aya Koretzky (o seu filme Yama no Anata – Para Além das Montanhas foi exibido no Há Filmes na Baixa! em 2015), que para além das suas funções técnicas funcionaram como pontes entre a realizadora e as protagonistas. Foi um acaso feliz de vontades e de um grupo que permaneceu no Japão construindo uma cumplicidade de trabalho.

Todos estes fatores transparecem em Ama-San. Existe uma espantosa tranquilidade que percorre todo o tempo, e todo o tempo está presente neste filme: o trabalho e o lazer, a música e o silêncio; os grandes mas principalmente os pequenos momentos do quotidiano (esta é, aliás, uma característica dos filmes de Cláudia Varejão). Nas casas forradas a madeira vemos as Amas na sua vida íntima e familiar, tão delicada e cheia de rituais como a colocação do lenço tradicional antes do mergulho até ao fundo do mar. Através delas, a intuição de um retrato do Japão, lugar estranho onde os mais velhos são os mais respeitados e onde o silêncio não é sinónimo de solidão. Um país patriarcal onde as mulheres são empurradas para trabalhos difíceis. Ironicamente, é essa mesma organização social que torna independentes e respeitadas estas mulheres excepcionais, frágeis mas muito fortes.

Ama-San foi exibido no Ciclo #01.2017 do Há Filmes na Baixa!


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