PortoPostDoc

Entrevista a Mark Reeder

por Alexandra João Martins / 18 11 2017


Na edição de 2017, o Porto/Post/Doc apresenta o filme B-Movie: Lust & Sound in West Berlin 1979-1989de Klaus Maeck, Jörg A. Hoppe e Heiko Lang. Será exibido no dia 1 de dezembro, no Cinema Passos Manuel, integrado na secção Transmission. Depois da projeção, Mark Reeder assumirá o controlo da cabine, num DJ set, para uma noite de festa ao som de música berlinense.

P: Hoje, ainda trocaria Manchester por Berlim?

R: Eu nunca trocaria Berlim por Manchester! Não é que não goste de Manchester, mas gosto de morar em Berlim. Para ser sincero, já não conheço Manchester. Mudou consideravelmente. Tem certamente uma vibe muito mais cosmopolita e europeia do que quando a deixei, no final dos anos 70, e isso é um progresso positivo, mas é só por causa da quantidade gigantesca de estudantes estrangeiros que trouxeram as qualidades europeias para a cidade. Mas também significa que quando vou a Manchester, hoje, sinto-me como um turista. Claro... É o lugar em que nasci e vivi ao longo de 20 anos e influenciou a minha maneira de ser e o meu gosto na música, e estou muito grato por isso. Mas não creio que tenha que estar lá para valorizar isso. Depois de Berlim, sei que nunca poderia viver em Manchester outra vez, especialmente agora que a Grande Bretanha está em modo brexit. Agora sou um (br)exilado. Então, ser turista é a única maneira para mim de olhar para isto porque, se vir de outra forma, ficarei frustrado e, ao fim de um bocado, começo a lembrar-me de demasiadas coisas negativas que voltam sempre de qualquer maneira: a miséria e a pobreza dos anos 60 e 70. Claro que Berlim também mudou bastante e também de uma forma positiva, que eu acho bastante mais apelativa. Continua a ser um lugar excitante e atraente, com uma cena musical e artística vibrante e acessível.

P: Vê o B-Movie como uma janela sobre a história recente ocidental, além da abordagem musical?

R: Sim, talvez, num certo sentido, mas é uma história muito pessoal. A nossa cena musical e artística era muito diferente de qualquer outro lugar nessa altura. Não havia nada comparável. Olho para o B-Movie mais como uma fonte de inspiração para os jovens, para que possam absorver e aprender o que passámos em Berlim Ocidental e o meu olhar sobre isso. É apenas a minha interpretação sobre a cidade na altura e o nosso papel nela. Mostra Berlim de uma forma pouco lisonjeira. Não é sobre termo-nos tornado superstars populares e bem-sucedidas, ainda que alguns deste músicos se tenham vindo a tornar bastante famosos. É mais uma história sobre a minha experiência de viver em Berlim Ocidental, como eu a entendi e como passei por ela. O filme não se afasta de matérias sensíveis, mas também não fica preso nelas. Mostra tudo como eu via, era o meu dia-a-dia normal. 

P: Passados quase 30 anos, há algum risco de se tornar revisionista ao olhar para trás? Quero dizer, fantasioso, fetichista, demasiado nostálgico... Porque tenho a sensação de que havia alguma esperança nesse tempo, havia um futuro por vir...

R: Não me sinto de todo nostálgico, mas se as pessoas me perguntarem pelo que experienciei, então contar-lhes-ei. Até ao B-Movie, nunca me passou pela cabeça, mas agora estou muito orgulhoso e sinto-me privilegiado por ter vivido em Berlim nessa altura. Nunca me ocorreu pensar que alguém pudesse estar interessado na minha vida. Nos anos 80, Berlim Ocidental era uma represa, quase uma cidade esquecida, cheia de gente esquisita, inconformista, que veio aqui parar. E é estranho o modo como se tornou de facto numa cidade esquecida, mesmo depois da queda do muro. Em termos de futuro, diziam-nos constantemente que Berlim seria inevitavelmente o lugar onde começaria a terceira guerra mundial, onde as forças militares do Oriente se iriam confrontar com as do Ocidente. Não havia qualquer futuro diante de nós. Não acreditávamos que teríamos um e acreditávamos que estaríamos provavelmente mortos aos 35, devido às drogas, ao álcool ou ao holocausto nuclear. O futuro era o presente imediato e a maioria de nós vivia para o presente. Se planeássemos alguma coisa, era no máximo para um mês ou dois, porque tínhamos uma digressão ou concertos. A única esperança que tínhamos era a de que poderíamos sobreviver. Hoje, Berlim é um lugar muito mais otimista.

P: Foi muito difícil misturar as filmagens antigas com a nova produção?

R: Bem, só tivemos que reconstituir cerca de 2% das novas gravações, como a cena da loja de música, no início, ou algumas cenas de interligação, apenas para manter a continuidade e para as quais não tínhamos filmagens. Foi uma porção muito pequena do filme. Tudo o que se vê são filmagens originais dos anos 80, do mais diverso tipo de fontes: VHS, 8mm, 16mm ou Beta. Apenas tiveram que ser digitalizadas e depois coladas. Então, não foi assim tão difícil. A única dificuldade foi encontrar o material apropriado e conveniente para a minha narrativa.

P: Conte-nos um pouco daquilo que não está no filme: incursões a Berlim Oriental. Um episódio curioso, talvez...

R: Quase toda a minha vivência em Berlim Oriental ficou de fora do B-Movie porque este é apenas sobre a zona Ocidental. Nenhuma das minhas incursões a leste foi filmada, porque não se podia levar câmaras. A única coisa que existe são filmagens do segundo concerto altamente secreto e ilegal dos Die Toten Hose. Felizmente, tornei-me amigo de um soldado norte-americano que me ajudou amavelmente a contrabandear uma câmara de vídeo e guitarras para esse concerto em Berlim Leste. Claro que também há a cena disco gay da HI-NRG, da qual também fazia parte e que andava à volta da Metropol Disco, na Nollendorfplatz. Eu ia lá todos os fins-de-semana. Ninguém filmou nesse clube. Era demasiado escuro e narcótico, e filmar no escuro era simplesmente gastar película cara. Então não se fazia, além de que não tinha vontade nenhuma de ter o pesado Braun Nizo a rondar-me a noite toda, não era uma ideia muito agradável, especialmente quando se ia lá para tomar drogas e dançar a noite inteira. Havia ainda o medo de deixar a câmara num lugar qualquer, era demasiado em que pensar. O Metropol era o único lugar onde se podia ouvir música electrónica disco deep, dark e underground. Levei lá o Bernard Summer depois da morte do Ian Curtis, na esperança de o inspirar para uma mudança de direcção musical no que restava dos Joy Division. Enviei-lhe cassetes com todas as faixas e gravações que ouvi nesse clube, o resultado foi provavelmente Blue Monday.

P: Curiosidade: conheceu algum artista ou músico português nos anos 80?

R: Não me lembro. Provavelmente.

P: Podemos esperar música berlinense para o DJ set no Passos Manuel?

R: Sim, tocarei maioritariamente a minha própria música, que foi toda criada em Berlim.

Mais info sobre Mark Reeder e o seu último álbum Mauerstadt


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