A memória é um aspeto central do cinema. É pelo cinema – ou, para ser mais preciso, pelas imagens em movimento – que nos lembramos de acontecimentos passados, como se o cinema pudesse ser um arquivo do tempo. Essa qualidade é o que nos maravilha quando vemos filmes. A memória desencadeia as nossas emoções. É por isso que decidimos dedicar o tema do Porto/Post/Doc ao Arquivo, porque o próprio cinema é uma espécie de arquivo da memória humana. De certa forma, privilegiaremos filmes que usam imagens de arquivo, mas também exibiremos filmes antigos que permitem que a nossa memória reencontre outros mundos e outras emoções.
O nosso foco central será dedicado a Jean Rouch, o mítico autor francês, de quem celebramos o 100.º aniversário do seu nascimento. Os filmes de Rouch – recentemente restaurados – lidam com a ideia de que o nosso mundo deve ser mediado pelo cinema e por um cinema livre das convenções de género (principalmente a fronteira entre ficção/não-ficção). Participar nesta homenagem é redescobrir filmes que são fundamentais para a história das imagens em movimento do século XX. Esta digressão pelo passado também será parte do nosso foco no cineasta checo Miroslav Janek, a partir de uma carta branca endereçada a Jana Sevcíková. Filmes como The Unseen podem mostrar-nos como lidamos com diferentes comunidades (neste caso, crianças cegas) e os seus modos de vida. O terceiro foco num autor traz-nos três filmes de Peter Mettler, um cineasta que, na tradição do cinema canadiano, procura refletir sobre o mundo e o que vê à sua volta. Picture of Light, um dos seus trabalhos mais importantes, reflete mesmo sobre este mundo ao confrontar-se com a beleza das luzes do norte. O festival celebrará esta memória com diferentes cápsulas do tempo: Malick e a sua Voyage of Time: Life's Journey; Campillo na sua procura da memória da SIDA na década de 90, em França, com 120 battements par minute; ou a jornada de Mark Reeder nos anos 80, na Berlim Ocidental, em B-Movie: Lust & Sound in West-Berlin 1979-1989. São filmes de um arquivo de história, de uma memória que ainda existe.
Como um ponto chave do nosso programa, iremos explorar o conceito da pós-memória. Este foco, que inclui um programa de cinema e o Fórum do Real (seminário de um dia com especialistas), é feito em parceria com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. O objetivo do programa é mostrar o uso do arquivo como meio de produzir novas narrativas documentais e para a preponderância desse método para interrogar a história do século XX. Além disso, este programa concentrar-se-á no uso do arquivo como meio de ativar uma pós-memória, ou seja, uma análise crítica feita por novos realizadores que não viveram os factos que abordam, mas em que ativam uma posição crítica e de desconstrução das memórias “oficiais”. O programa de filmes contará com trabalhos de autoras que se dedicam ao arquivo e à memória colonial ou ditatorial, como Paz Encina, Albertina Carri e Filipa César.
Um festival de cinema é um lugar de futuro – exibir novos filmes –, mas também uma janela para um passado que precisa ser redescoberto. Uma janela para toda a memória do mundo.
Dentro deste tema estão incluídos:
- Arquivo e Pós-Memória (Programa de Filmes e Fórum do Real)
- O Cinema Verdade: 100 Anos de Jean Rouch
- Foco Miroslav Janek
- Peter Mettler Expanded
- Filmes de arquivo ou cápsulas do tempo em vários programas paralelos