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Sobre "Tarrafal"

por Tiago Dias dos Santos / 07 02 2017


Pedro Neves já é um veterano na área do documentário. Exímio a mergulhar em lugares onde transparece desolação, abandono e o desespero, consegue trazer à tona histórias e trajetórias que ilustram a resistência e a resiliência humana no pior dos cenários. No seu mais recente filme, Tarrafal, Pedro leva-nos na sua viagem pelo antigo Bairro S. João de Deus, incontornável na história da cidade, e ainda bastante presente na memória coletiva do Porto. Centenas de famílias foram expulsas durante os mandatos de Rui Rio, antigo presidente da Câmara Municipal do Porto, e essas cicatrizes ainda não sararam completamente. 

O nome ‘Tarrafal’, que além de referência geográfica remete para um antigo campo de concentração nos anos da ditadura portuguesa, tornou-se sinónimo de perda, de desordem, de devastação. No caso do Bairro S. João de Deus, esta designação serve para ilustrar um local que se tornou conhecido pelo comércio e uso de droga, heroína neste caso, um elemento destruidor de todo o tecido social. O 'Tarrafal' do Porto, na freguesia de Campanhã, era um cenário de guerra. Qualquer um dos habitantes estava diretamente ou indiretamente envolvido no mundo das drogas, e em toda a degradação que lhe está associada. Mas é nestes, os antigos habitantes, que Pedro Neves se foca. Consegue entrar na vida dos seus sujeitos, apontar-lhes a câmara de filmar e deixá-los à vontade e a falar abertamente. Falam sobre o seu passado no bairro, as suas perdas, as suas frustrações mas também os seus sonhos e vitórias. E é aqui que o filme assume um outro nível, na sensibilidade característica do trabalho do realizador, e mergulhamos nas histórias que nos são contadas.

Os próprios despojos das antigas estruturas habitacionais e comerciais tornam-se também um elemento narrativo, graças à presença dos antigos moradores. Apesar de estes se movimentarem nessas ruínas, na paisagem selvagem e através daquele cenário de desolação, os seus relatos de como era a vida naquele espaço urbano, como ultrapassarem, ou não, todos os problemas e estigmas inerentes a um local que ainda é considerado de forma tão pejorativa, ajudam-nos a construir uma nova perspetiva sobre o bairro, e criam uma vontade de refletir sobre tudo o que ali se perdeu, mas também tudo o que se pode vir a ganhar. 

Há um sentimento de angústia coletiva, de nostalgia agridoce, naqueles homens e mulheres ao regressarem ao Tarrafal, mas contrariamente ao que poderíamos pensar, não apenas relacionado com o imenso problema da droga. Sentiram-se e sentem-se injustiçados e estigmatizados, mas conseguem apesar disso sentir saudades de todas as coisas boas que lá viveram. Sem eles, este filme não faria sentido, nem conseguiríamos começar a entender ou a criar empatia com tão famigerado bairro. O filme é tanto deles como de Pedro Neves.

Tarrafal foi exibido no Ciclo #01.2017 do Há Filmes na Baixa!


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