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Meu Nome é Eryk / Foco Eryk Rocha

por Paulo Cunha / 10 11 2016


O seguinte texto pretende dar uma panorâmica de Eryk Rocha, cuja obra é motivo de uma retrospetiva integral no Porto/Post/Doc 2016. Para ver os filmes a exibir consulte esta página.

Para o bem e para o mal, qualquer texto de apresentação da obra de Eryk Rocha tem de começar pelos seus dados genealógicos: Eryk é filho de Glauber Rocha, a alma do Cinema Novo brasileiro e um dos timoneiros do Nuevo cine latinoamericano e do Terceiro cinema, e de Paula Gaitán, artista plástica, fotógrafa, poeta e cineasta. Nasceu em 1978, durante a rodagem de A Idade da Terra, aquele que seria o último filme de Glauber, falecido precocemente em agosto de 1981. Foi com a mãe, na Colômbia, que começou a trabalhar em cinema, colaborando nos documentários dela feitos para a televisão, e criando com amigos um grupo experimental de vídeo. Depois de Brasil e Colômbia, Eryk viveu em Cuba, onde estudou cinema na prestigiada escola de cinema de San Antonio de Los Baños, onde iniciou oficialmente a sua carreia cinematográfica.

Realizado em contexto de escola, o documentário Rocha que Voa (2002) lançou a sua carreira depois de uma boa receção crítica e de um percurso que lhe valeu a seleção em diversos festivais internacionais, como Locarno, Veneza, Montreal e Havana, e prémios no CineSul e no É tudo Verdade (Brasil) e no Festival de Rosário (Argentina). Mais uma vez, a genealogia cruza-se com Eryk: Rocha que Voa parte de uma visita de Glauber a Cuba, em 1971, e concretamente de duas longas entrevistas a Glauber sobre cinema e cultura na América Latina que Eryk encontrou nos arquivos do Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos (ICAIC). Glauber voltaria a ser o protagonista de Cinema Novo (2016), um trabalho impressionante sobre um grupo de jovens críticos tornados cineastas que sonhou mudar o seu país e o mundo com a câmara de filmar. Ainda que o contato tivesse sido efémero (o pai faleceu quando ele tinha apenas três anos), simbolicamente, o pai Glauber está presente naqueles que são, até ao momento, os projetos mais significativos de Eryk Rocha.

Desde então, a sua carreira consolidou-se com mais seis longas-metragens e duas curtas-metragens, colecionando prestigiadas presenças em diversos festivais internacionais, tais como Nova Iorque, Montevideo, Sundance, Guadalajara, Buenos Aires, Marselha, Amesterdão e Cannes, onde venceu recentemente o prémio Olho de Ouro (melhor documentário) com Cinema Novo. Atualmente, prepara a rodagem da oitava longa-metragem, Breves Miragens de Sol, uma ficção.

Numa entrevista recente, Eryk Rocha dizia que a realização de um projeto nem sempre é “límpida” ou “racional”, e que, enquanto cineasta, ele se deixa seduzir pelo “mistério” e por uma necessidade catártica de refletir e “dizer algo que não pode deixar de ser dito”. O processo é de tal forma complexo que o cineasta brasileiro acredita que não é o cineasta que faz o filme, mas o filme que faz o cineasta. Os seus projetos nascem, então, de um compromisso, assumido ou não, entre partes e vontades que nem sempre são claras ou consensuais.

Respeitando a máxima de “uma ideia na cabeça e câmara na mão”, que pretende afirmar a importância do conteúdo (ideia) sobre a forma (técnica cinematográfica, então muito presa ao estúdio), a maneira cinemanovista de movimentar a câmara, ou deixar-se movimentar por ela, é talvez o processo material que mais se aproxima desta vontade de se acercar da realidade, de promover o espontâneo e o imprevisto, mas também desta atitude de conduzir e deixar-se conduzir pela relação da câmara com os rostos e com os outros elementos que a rodeiam. A câmara não será apenas um veículo para registar mecanicamente o que a circunda, mas essencialmente uma extensão do corpo e da mente humana, que potencia as vivências e as emoções em permanente interação com o outro.

Em movimento constante, a câmara procura sobretudo o lado poético, sentindo-o e potenciando-o. Do mesmo modo, o som é um elemento muito importante nos filmes do cineasta brasileiro. A amplificação, distorção, abrandamento ou aceleramento são efeitos decisivos para criar ritmos e sensações, para sentir e potenciar experiências e levar o espectador para lá do visível.

Consciente e propositadamente, Eryk Rocha recusa, na sua obra documental, as narrativas mais convencionais, procurando antes novas formas de narração sensorial e impulsiva que explorem as texturas das imagens e dos sons, e que joguem com as suas relações, tanto de cumplicidade como de incompatibilidade. Nos seus filmes, a montagem é um momento crucial no processo criativo, um tempo de experimentação, de manipulação e de transformação, onde as imagens e os sons constroem e desconstroem permanentemente as subjetividades e afetividades que fazem vibrar o espectador. É um estilo de montagem muito influenciado pela estética da escola russa das atrações (de Kuleshov a Vertov ou Eisenstein) e pelo estilo arqueológico adotado por Godard em Histoire(s) du cinema, sem esquecer a influência do próprio Glauber Rocha.

De forma clara, não se está perante um cineasta que se preocupe muito com o espaço mediático presente, o que não significa qualquer tipo de alheamento da realidade social, política e cultural que marca a agenda mediática. É claro, por exemplo, que Campo de Jogo não é um filme sobre a Copa 2014, mas sobre algo bem mais complexo e instigante que pode ser traduzido como “a maneira brasileira de ser”. O mesmo acontece em Intervalo Clandestino, rodado durante uma pré-campanha eleitoral, sob o pretexto de analisar a realidade política mediática do país, mas é mais complexo do que aparenta. O cineasta observa esses momentos mediáticos e aproveita para fazer um trabalho mais reflexivo e performático sobre o Brasil em toda a sua dimensão mística e trágica.

Eryk Rocha é um exímio e meticuloso arqueólogo das imagens e dos sons, que se tem deixado fascinar pelo estudo prático das formas cinemáticas, procurando refletir sobre as transformações estéticas e éticas do cinema desde os anos 60. O trabalho com os materiais de arquivo, visuais ou sonoros, denuncia esse fascínio e vontade em explorar as transformações do tempo longo, a evolução das formas e as mutações dos imaginários individuais e coletivos.


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