Elena viaja para Nova York com o mesmo sonho da mãe: ser atriz de cinema. Deixa para trás uma infância passada na clandestinidade dos anos de ditadura militar e deixa Petra, a irmã de 7 anos. Duas décadas mais tarde, Petra também se torna atriz e embarca para Nova York em busca de Elena. Tem apenas pistas: filmes caseiros, recortes de jornal, diários e cartas. Petra espera encontrar Elena caminhando pelas ruas com uma blusa de seda. Aos poucos, os traços das duas irmãs se confundem, já não se sabe quem é uma, quem é a outra. A mãe pressente. Petra decifra. Agora que finalmente encontrou Elena, Petra precisa deixá-la partir. Folha de Sala Uma das características essenciais de um bom documentário é a relação que o autor estabelece com os seus objetos. É tanto mais interessante se o realizador for, também ele, um desses objetos. Elena é a primeira obra de longa-metragem de uma jovem realizadora brasileira, Petra Costa. O filme lida com um luto de Costa em relação à sua irmã, Elena, com quem teve uma relação muito próxima durante vários anos da sua infância. São os passos dela que procura ao aventurar-se por Nova Iorque, para onde Elena foi no início da idade adulta, em procura do sonho em se tornar atriz. A afetividade da memória, mas também o seu lado obsessivo e destruidor estão presentes nesta espécie de elegia de imagens com que Costa procura reviver a irmã. Por isso mesmo, Elena é um filme duro que coloca o espectador numa vertigem emocional. Nesse sentido, diga-se desde já que a montagem do filme funciona como um crescendo, quase entrando num registo de filme policial: Costa associa-se à sua mãe procurando registar todos os passos porque passou Elena, numa aproximação também biográfica. Em certo sentido, é a história de uma família que se conta (apenas com a significativa ausência do pai) e a vertigem causada pelo sonho de Elena (ser atriz de cinema) e pela sua personalidade particularmente sombria depois de não conseguir concretizar esse sonho. Como filme de memórias, Elena utiliza uma gama bastante eclética de suportes: o vídeo digital, o Super 8 e mesmo imagens caseiras em VHS. A mistura destes suportes, sobretudo os do Super 8 e do VHS dão uma espécie de aura (o Super 8 é filmado no tempo presente), que coloca o filme numa zona emocional da memória. As imagens degradadas do VHS são especialmente evocativas, tornando presente a ausência de Elena: é como se fosse o seu fantasma, que agora atormenta as outras personagens. A voz-off poética da própria Petra Costa, que está sempre presente, ajuda a trabalhar emocionalmente esta relação entre irmãs. Com o desenrolar do filme – e da sua espetacular consequência policial –, Elena entra num registo totalmente poético, mostrando imagens de mulheres (muitas vezes a própria Petra Costa e a sua mãe), em várias danças com a câmara, muitas vezes usando uma perspetiva aquática, que quer simular uma verdadeira liberdade proposta por Elena – a liberdade da arte (algures no filme ela diz que não aguenta não fazer arte) – que Petra persegue. O filme homenagem conclui, assim, a sua própria razão de ser. Daniel Ribas (Porto/Post/Doc)