PortoPostDoc

Porto/Post/Doc

17 - 25 Nov 2023

É impossível, num festival que sempre se definiu enquanto ferramenta de entender e transformar a sociedade, não começar este editorial por abordar aquele que é o assunto mais premente dos nossos dias: o regresso da guerra. Trata-se de um retrocesso civilizacional, de uma tragédia para a qual não estávamos preparados – nem nós, nem ninguém. Todas as guerras, ao longo de séculos, sempre martirizam populações inocentes em nome de interesses que, muitas das vezes, estão desvinculados dos interesses e das vivências concretas das comunidades envolvidas. Todos os dias somos testemunhas disso, através dos múltiplos atropelos aos direitos humanos. Tanto na Europa como, de novo, no Médio Oriente, vêm-se cometendo as mais terríveis atrocidades. É intolerável. E estas são apenas as faces mais visíveis – e mais violentas – de uma estrutura económica e politicamente dominante que teima em preservar, senão mesmo reforçar, as várias formas de desigualdade (de classe, étnica, religiosa e cultural) que fomentam os próprios conflitos.  

Quando, há cerca de um ano, começámos a definir a programação da décima edição do festival, tomámos uma série de decisões que, entretanto, ganharam, pelos piores motivos, um relevo e uma urgência inevitáveis. Cremos que, perante o horror quotidiano que os media e as redes sociais difundem, se impõem um regresso ao cinema do real – o meio por excelência para descrever o mundo na sua extraordinária complexidade e agir sobre ele através da congregação de múltiplos pontos de vista. Assim, como em todas as anteriores edições, procurámos que a presente seleção de filmes e autores refletisse os nossos dias e apresentasse ao público da cidade do Porto um olhar contemporâneo e multifacetado sobre o mundo (dentro e fora da sala de cinema). Trata-se, portanto, de um conjunto de programas que pretendem ser o ponto de partida para uma discussão alargada sobre a cidade, a memória coletiva, o mundo do trabalho, as fronteiras, o meio ambiente, a transformação das instituições, as suscetibilidade à manipulação, o acesso à justiça (ou a falta dela), à educação e à saúde. Ou seja, uma programação que pretende afirmar o papel da arte enquanto elemento fundamental na vida dos cidadãos, especialmente para as gerações mais novas.

Todas estas áreas de pensamento e todo questionamento que se lhes associa encontra-se patente nas várias secções competitivas do festival, assim como nos focos de autor e em toda a programação paralela (com especial destaque para as séries de conversas do Fórum do Real e do Call to Action). Este ano, mais do que nunca, a diversidade cultural dos filmes escolhidos procura radiografar os tumultos do mundo, ora a partir de uma perspetiva intimista e puramente subjetiva, ora a partir das suas possibilidades revolucionárias. O que importa sublinhar é que estes filmes – todos eles, cada um à sua maneira – são filmes feitos em liberdade e pela liberdade. 

Ao fim de dez anos, o festival chega, finalmente, à sala de cinema pela qual aguardou desde o primeiro dia: o Batalha Centro de Cinema. A mais antiga sala da cidade – e uma das mais antigas salas de cinema do mundo –, onde cinema é sinónimo de encontro. É, por isso, uma enorme felicidade poder chegar a este espaço com a forte intenção de transformar o festival num momento de aproximação à cidade e às suas pessoas e – mais importante – um meio de aproximar as pessoas umas das outras através do poder singular do cinema enquanto arte simultaneamente popular e cívica. A sombra funesta da pandemia, que impôs a hegemonia do imaginário audiovisual do streaming e da televisão, ainda se abate sobre um grande número de espectadores. Há que recuperar a sala de cinema como espaço de agregação social, ponto de encontro e local de reflexão e partilha. Para isso é preciso – cada vez mais – reaprender a contar histórias. Com esse intuito, preparámos este ano o programa temático Onde andam os nossos contadores de histórias? e o ciclo de celebração dos cinquenta anos do hip hop, que nasceu precisamente como forma de revolta às formas de dominação cultural, social e estética. Acreditamos que se contam histórias através de imagens, mas também, através de palavras, de melodias e da expressão corporal.

O Porto/Post/Doc volta, ainda, a reforçar as suas atividades de fomento à produção cinematográfica (em particular no Norte de Portugal e na Galiza), promovendo a reunião de artistas e profissionais da indústria cinematográfica através de encontros de coprodução, de desenvolvimento de projetos (Arché-Porto) e, mais importante, do financiamento de novas produções sobre os heróis esquecidos da cidade do Porto, os trabalhadores (Working Class Heroes). Ao longo dos vários dias do festival, ora através dos eventos propostas na secção da Indústria, ora através das formações promovidas pelo 180 Media Lab e pelo novo Laboratório de Crítica, pretende-se uma consolidação do tecido crítico, reflexivo e mediático, consciencializando os atores do universo da comunicação do seu papel enquanto mediadores culturais. Por fim, os estudantes de cinema, os mais jovens e o público curioso, podem descobrir as novas promessas do cinema nacional (Cinema Novo) e uma programação pensada especificamente para escolas e famílias.

Venham descobrir-nos no novo Batalha. Esta é a casa de todos, a casa do Cinema.