Quando, no início de 2021, se apresentou, em estreia mundial, o novo filme de Theo Anthony no festival de Sundance, "All Light, Everywhere", a crítica afirmou-o como um potente filme-ensaio sobre a videovigilância e a utilização, não isenta, de câmaras pelas forças policiais nos EUA. O realizador focou a sua atenção na atuação da empresa Axon Enterprise, a maior fornecedora de câmaras corporais às polícias americanas, assim como a gestora das quantidades astronómicas de informação que essas câmaras capturam e que tem, depois, que ser arquivada e analisada através de complexos sistemas de inteligência artificial que, como toda a criação humana, têm falhas. Com enorme mestria e através de colagens-pensamento que atravessam a história do uso de câmaras, de armas, das polícias e da justiça, o jovem cineasta de 32 anos afirmou-se como um dos nomes mais estimulantes do novo documentário norte-americano.
A sua estreia na longa-metragem havia-se dado em 2016, com "Rat Film", estreado no festival de Locarno. Aí o realizador servia-se da questão da infestação de ratazanas na cidade de Baltimore para fazer um ensaio de forte pendor documental sobre os problemas raciais, de urbanismo, de influência estatal na segregação e as condições de vida de certas camadas da população mais pobres e racializadas. Com esse filme inaugurava-se um esquema narrativo de uma inteligência profundamente contagiante que se tornaria a sua imagem de marca. A capacidade de articular dados estatísticos, históricos, urbanísticos e legais num objeto que nunca deixa de nos manter agarrados era surpreendente. E mais que isso, esse era um filme que não esquecia as pessoas nem as situações sociais, sem com isso se desviar da dimensão formal, pululante de ideias de montagem, acompanhada por uma banda sonora experimental a cargo do extraordinário Dan Deacon.
No entanto, seria com a curta-metragem "Subject to Review", uma encomenda do canal televisivo de desporto ESPN, que Anthony se afirmaria enquanto autor. Exibido em dezenas de festivais, entre eles no New York Film Festival, onde teve a sua estreia, o filme “inocentemente” dedicado à utilização do sistema “olho de falcão” nos jogos profissionais de Ténis revelava-se, afinal, uma parábola eletrizante sobre os limites da perceção da realidade e, como tal, sobre os limites da justiça.
Pode-se assim afirmar que a curta, mas brilhante, obra que Theo Anthony desenvolveu até agora tem a profundidade e a complexidade de um Harun Farocki, Chris Marker ou Jean-Luc Godard, com a acessibilidade lúdica de um Ken Burns. Um cinema que manifesta a vontade de mergulhar na complexidade do que é um “ponto de vista objetivo”, revelando assim o viés do olhar, o nosso, e também o dele.
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