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Do fluir: o tempo das coisas (Sobre The Way Things Go)

por Fernando José Pereira / 05 04 2017


Talvez o mais fascinante deste filme, tão importante na carreira da dupla suíça, seja a profunda inscrição metafórica que lhe é inerente. É um filme que está, todo ele, baseado numa espécie de permanente imersão num universo de alquimia, que nos vai sendo desvendado paulatinamente ao longo dos desenvolvimentos cinemáticos potenciados pelos longos planos-sequência (não um como parece a um olhar mais desatento, mas vários). Toda a ação decorre num armazém, ao mesmo tempo e durante dois anos, transformado no seu atelier. Ao falarmos em alquimia, falamos em mutação constante. Essa modificação incessante é aquela que é assimilada e praticada pelos artistas no interior do seu atelier e à qual associamos comummente a palavra plasticidade. E é também dentro do atelier e no âmbito desta plasticidade que aparece a noção definidora da capacidade interventiva do artista, isto é, a forma. É a forma que define o artista e a sua relação com o mundo e ela aqui é bastante evidente. Esta noção da forma como elemento central é formalmente tornada visível num dos muitos mapas desenhados e mostrados pelo também artista suíço Thomas Hirschhorn.

A opção de filmar no interior do espaço de atelier, é uma escolha, por isso, decisiva e, contudo, que não é nova. Todos nos recordamos da série protagonizada pelo artista americano Bruce Nauman no interior do seu atelier, numa referência clara à espacialidade própria e próxima como possibilidade nova a ser explorada. Ou, então, num âmbito de referências mais teóricas, o ensaio seminal do artista francês Daniel Buren intitulado: “The function of the studio”. Quer dizer, é uma opção assumida pelos artistas que contém no seu âmago o assumir claro de uma herança conceptual que se irá afirmar de forma determinante na sua extensa obra produzida ao longo de décadas.

A chamada de atenção para os mapas de Hirschhorn, para lá da sua evidente importância permite, por outro lado, o estabelecimento de uma ligação conceptual possível entre os dois artistas. Hirschhorn teoriza sobre a ideia de precário nas práticas artísticas. Nada mais visível neste filme que a sua relação íntima com esta noção, no entanto, realizado muitos anos antes: as escolhas dos artistas recaem todas em materiais que encontraram no interior do armazém e que mantêm um relacionamento direto com a realidade que os colocou de parte. Operam, então, uma transformação decisiva: passam da sua condição de utensílios e aparelhos para a de objetos, já não úteis, mas imbuídos da inutilidade que lhes permite a escolha estética.

E, se o título se refere à forma como as coisas se desenvolvem, nada mais interessante que provar essa possibilidade de continuidade num tempo necessariamente alargado, neste nosso tempo, pouco dado ao Tempo. Mais não fosse, a atualidade e pertinência que por aqui passam, chegariam para uma atenção redobrada ao filme. E, contudo, há muito mais...

(The Way Things Go foi exibido no Há Filmes na Baixa a 5 de abril de 2017. Fernando José Pereira é artista e professor Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.)


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