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Na deriva dos Capitão Fausto - Sobre "Pontas Soltas"

por Alexandra João Martins / 24 01 2017


Pontas Soltas são pontas soltas. Apontamentos envencilhados que cruzam o gato de Schrödinger, a Batalha de Alvalade e, claro, os dias dos Capitão Fausto. Logo num dos primeiros planos, Tomás Wallenstein estira-se deleitosamente numa cadeira enquanto fuma um cigarro. A mise-en-scène que se vai desenhando naquela sala de ensaios remete para o imaginário do final dos anos 60 que, na minha memória, se cristaliza com a capa do álbum “Ummagumma”, dos Pink Floyd, de quem são confessos admiradores. Aliás, a semente para o disco “Capitão Fausto Têm os Dias Contados” fora um concerto exclusivo de tributo a Syd Barrett, no Black Balloon XXI, em Lisboa.

Neste filme, Ricardo Oliveira propõe-se a registar todo o processo de criação do álbum, desde o retiro em jeito de residência artística à construção ou remodelação do estúdio de gravação. Assim, o espectador é convidado a mergulhar na dinâmica deste grupo através do recurso constante ao split screen em que, paralelamente, são dadas a ver as múltiplas reações dos músicos aos diálogos e às composições que se vão formando. Uma procura coletiva que por vezes se torna corrosiva, e por isso fértil, quando as divergências entre os cinco elementos da banda vêm ao de cima. “Não me parece que isto vá ser uma canção de Capitão Fausto...”

No fim do dia, são um grupo de miúdos comprometidos em fazer canções. E em fazer bem. Não sabem se há comida no frigorífico, fumam compulsivamente e juntam os últimos trocos para umas cervejas enquanto se chateiam, brincam, discutem, zangam, amuam. Eclode música. Como se costuma dizer, sai-lhes do corpo. Em dias que também eles são soltos. Um sábado, uma quinta-feira. No entretanto, todos os outros dias e alguns flashs de concertos. Retoma-se o cenário dos ensaios. Uma narrativa temporal desordenada, livre de horários, que traduz a rotina da banda como uma busca incessante e aparentemente infinita pela harmonia dos riffs, dos ritmos, das canções, num tempo único, que é o da produção artística.

Oliveira não será alheio aos espaços em que filma. Num travelling, a câmara percorre lentamente as feições tensas, como que em pose, e todos os olhares concentrados num só alvo. Domingos segura o cigarro no canto da boca, Salvador enverga um chapéu digno do Bonanza. A vegetação marca o pano de fundo e o silêncio rural só é interrompido pelos disparos. Bem-vindos ao western. De Vascões, uma pequena freguesia em Paredes de Coura, onde os Capitão Fausto se tornam cowboys da pós-modernidade e das espingardas de chumbos ao bairro de Alvalade, zona nobre da capital onde, no século XIV, a Rainha Santa Isabel impediu o conflito armado entre pai, D. Dinis, e filho, D. Afonso IV. Uma breve incursão histórica quase tragicómica que se desvia da narrativa principal do filme e que recorre, de forma original, ao arquivo e à montagem para contar histórias e História, convocando uma ressignificação das imagens.

O filme trilha assim o seu próprio caminho ao documentar o processo de criação com múltiplas ramificações de origem ficcional e afastando-se do produto final, que viria a ser o conjunto de canções que compõe o primeiro álbum da banda. Ainda não sabemos se os Capitão Fausto têm os dias contados. Nem sabemos se este filme alguma vez vai estar certo. São só planos para nos enganar.

Pontas Soltas foi exibido no Ciclo #01.2017 do Há Filmes na Baixa!


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