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Porto/Post/Doc com foco na obra da realizadora georgiana Salomé Jashi

por Daniel Oliveira / 03 09 2024


Como filmar um país? O que é um país no cinema? Ou melhor: é possível filmar um país no cinema? Essas são as questões que parecem atravessar a obra da realizadora Salomé Jashi, exibida na íntegra no Porto/Post/Doc 2024. Nascida em 1981 na cidade de Tbilisi, capital da Geórgia, a cineasta vem tentando desde a sua primeira curta, em 2006, desvelar ao mundo o seu país, amplamente desconhecido no cenário internacional – mas não a partir dos grandes eventos, grandes personagens ou dos heróis nacionais. Seu cinema revela, antes, a micro- história por meio de uma poética do cotidiano: as pessoas comuns, os lugares esquecidos ou ignorados, a lenta e imperceptível passagem do tempo diário, e o que eles dizem da terra onde ela nasceu. Realizados quase sempre a partir de planos fixos, sem o uso de banda musical não-diegética, os filmes de Jashi centram-se primordialmente no olhar para o espaço e para as pessoas que o habitam. Sem textos ou narrações expositivas que expliquem ou imponham qualquer tipo de análise política, a cineasta convida o espectador a perceber o que aquelas imagens – um edifício semi abandonado e seus moradores, os destroços de um helicóptero no meio de uma zona rural, uma árvore atravessando o mar em um barco – revelam sobre o país retratado. É nesse observar com um rigor formal preciso, austero e poético a relação entre o espaço e as pessoas – como um afeta, determina e transforma o outro – que se constroi o cinema da realizadora. Nos grandes planos de ‘Speechless’, Jashi expõe os horrores e os efeitos de uma guerra, retratando apenas os rostos e as expressões diversas de oito pessoas que a viveram. Já nos brevíssimos quatro minutos de ‘The Tower’, a cineasta encontra a história de seu país no olhar e na memória de seus habitantes, apontando e descrevendo espaços e lugares que permanecem no extracampo, num contraplano que nunca é mostrado, porque só existem nas lembranças narradas por seus personagens. Em ‘Bakhmaro’, ela apresenta o cotidiano de um edifício antigo, em decadência, e das pessoas que transitam por ele, que servem como um pequeno microcosmo da Geórgia contemporânea. E no aclamado ‘Taming the Garden’, premiado em festivais ao redor do mundo, a relação entre ser humano e espaço é escancarada na megalomania de um milionário que tenta transplantar árvores para seu jardim privado – em imagens que retratam de forma poética e quase surreal a história, política e economia presentes na paisagem e nos modos como nela intervimos. Na duração estendida de seus planos, num tempo que convida à contemplação imersiva e quase hipnótica, a cineasta georgiana deixa espaço para que o espectador se sente à mesa com os seus personagens, perceba as entrelinhas e as fissuras daqueles lugares e tire dali as suas próprias conclusões. O seu cinema, nos oito filmes exibidos neste programa, apresenta-nos uma Geórgia feita de pessoas, belas paisagens, escombros e ruínas de guerras. Um cenário tão específico quanto familiar, tão único quanto universal – distante e, de repente, tão perto que estamos dentro dele.

FOCO SALOMÉ JASHI

A Crypto Rush Aftermath
Salomé Jashi, Geórgia, 2023, DOC, 18’


A Swim
Salomé Jashi, Geórgia, 2011, DOC, 11’

Bakhmaro
Salomé Jashi, Alemanha, Geórgia, 2011, DOC, 58’

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Speechless
Salomé Jashi, Geórgia, 2009, DOC, 12’

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Taming The Garden
Salomé Jashi, Geórgia, Alemanha, Suíça, 2016, 74’

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The Dazzling Light Of Sunset
Salomé Jashi, Geórgia, Alemanha, 2018, DOC, 4’

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Their Helicopter
Salomé Jashi, Geórgia, Reino Unido, 2006, DOC, 22’


The Tower
Salomé Jashi, Geórgia, 2021, DOC, 91’

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